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terça-feira, junho 28, 2011

Felicidade número 21 - Eu, Etiqueta de Drummond

Eu, etiqueta 


Em minha calça está grudado um nome   Que não é meu de batismo ou de cartório   Um nome... estranho   Meu blusão traz lembrete de bebida   Que jamais pus na boca, nessa vida,   Em minha camiseta, a marca de cigarro   Que não fumo, até hoje não fumei.   Minhas meias falam de produtos   Que nunca experimentei   Mas são comunicados a meus pés.   Meu tênis é proclama colorido   De alguma coisa não provada   Por este provador de longa idade.   Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,   Minha gravata e cinto e escova e pente,   Meu copo, minha xícara,   Minha toalha de banho e sabonete,   Meu isso, meu aquilo.   Desde a cabeça ao bico dos sapatos,   São mensagens,   Letras falantes,   Gritos visuais,   Ordens de uso, abuso, reincidências.   Costume, hábito, premência,   Indispensabilidade,   E fazem de mim homem-anúncio itinerante,   Escravo da matéria anunciada.   Estou, estou na moda.   É duro andar na moda, ainda que a moda   Seja negar minha identidade,   Trocá-lo por mil, açambarcando   Todas as marcas registradas,   Todos os logotipos do mercado.   Com que inocência demito-me de ser   Eu que antes era e me sabia   Tão diverso de outros, tão mim mesmo,   Ser pensante sentinte e solitário   Com outros seres diversos e conscientes   De sua humana, invencível condição.   Agora sou anúncio   Ora vulgar ora bizarro.   Em língua nacional ou em qualquer língua   (Qualquer, principalmente.)   E nisto me comprazo, tiro glória   De minha anulação.   Não sou - vê lá - anúncio contratado.   Eu é que mimosamente pago   Para anunciar, para vender   Em bares festas praias pérgulas piscinas,   E bem à vista exibo esta etiqueta   Global no corpo que desiste   De ser veste e sandália de uma essência   Tão viva, independente,   Que moda ou suborno algum a compromete.   Onde terei jogado fora   meu gosto e capacidade de escolher,   Minhas idiossincrasias tão pessoais,   Tão minhas que no rosto se espelhavam   E cada gesto, cada olhar,   Cada vinco da roupa   Sou gravado de forma universal,   Saio da estamparia, não de casa,   Da vitrine me tiram, recolocam,   Objeto pulsante mas objeto   Que se oferece como signo de outros   Objetos estáticos, tarifados.   Por me ostentar assim, tão orgulhoso   De ser não eu, mar artigo industrial,   Peço que meu nome retifiquem.   Já não me convém o título de homem.   Meu nome novo é Coisa.   Eu sou a Coisa, coisamente.


 (Carlos Drummond de Andrade)




I, label
In my pants are stuck to a name That's not my baptismal name or a notary public ... My jacket brings strange reminder of drink never put in the mouth, this life, in my shirt, the brand of cigarettes that do not smoke, did not smoke today. My socks speak of but never experienced what products are communicated to my feet. My tennis is color proclaims something not covered by this long age tester. My scarf, my watch, my keychain, my tie and belt and brush and comb, my cup, my cup, my towel and soap, my this, my that.From head to toes of shoes, are messages, letters speakers, Cries visual orders, abuse, relapse. Custom, habit, urgency, indispensably, make me ad-man touring, Slave of the matter announced. I'm, I'm in fashion. It's hard to be fashionable, though the fashion is to deny my identity, exchange it for one thousand, hoarding All trademarks, logos All the market. How innocent I quit being that before I knew and I was so different from others as myself, being alone and thinking sentinte With many other beings, conscious of his humanity, invincible condition. But now I'm listing now common bizarre. In national language or any language (Any, mostly.) And it pleased me, my glory shot aside. I'm not - look there - hired ad. Mimosa is that I pay to advertise, to sell in bars beaches pergolas pool parties, and in plain view displays this label in the global body that gives up to be worn sandals and a heart so living, independent fashion or some to commit bribery. Where I have thrown away my taste and ability to choose, so My personal idiosyncrasies, so that my face reflects and every gesture, every look, every stitch of clothing I recorded so universal, I get out of printing, not a house, the window I take, reposted, pulsating object but the object that is offered as a sign of other static objects, priced. For I bear so, so proud to be not me, sea industrial article, I ask that my name rectify. I no longer want the title of man. My new name is Thing. I am the things, things.

 
(Carlos Drummond de Andrade)

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